INDEPENDÊNCIA

Trabalho com crianças faz tanto tempo que nem me lembro como é a vida longe delas. E, claro, aprendi algumas coisas nesse tempo todo.

A primeira delas é que crianças são pessoas. E como pessoas, são diversas. A criança idealizada que nos ensinaram a imaginar é boa, tranquila, saudável, alegre, cordata, bagunceira, talvez. Mas vejo que há crianças também malvadas, tristes, organizadas, mega-inteligentes, avoadas, curiosas, preocupadas, estressadas, estranhas.

Me interessa muito trabalhar pela independência de todas elas dos adultos. Dia a dia, insisto para que cresçam, para que se virem. Para que tirem o agasalho sozinhas. Para que aprendam a dizer o que dói, o que incomoda. Para que cuidem de sua própria aparência, de suas próprias coisas. Para que exijam seus direitos. Para que aprendam a assumir as consequências por seus atos. Para que se coloquem, se exponham, para que busquem o direito de ser elas mesmas, sem ficar esperando o tempo todo pela ajuda e aprovação do adulto. Trabalho todo o tempo para que cresçam autônomas e que aprendam a se virar sozinhas, pois acredito que assim elas viverão melhor para enfrentar o mundo louco que as aguarda.

Se forem bem sucedidas, serão como eu. Ansiosas e exigentes, mas seguras e independentes. Serão como eu, capazes de cuidar de seu próprio nariz e capazes de reinventar-se sempre que a vida der um olé.

As crianças talvez saibam, como eu sei, que, se elas não conseguirem, se falharem, se não puderem subir, abotoar, pensar, fazer, comer, conversar, resolver sozinhas… Eu estarei lá pra ajudá-las. É meu trabalho, é minha paixão. Quero vê-las crescidas, mas também quero vê-las seguras de meu carinho e minha ajuda.

Você, como pai, pede outra coisa. Pede, não se preocupe, apoie-se, deixe que eu resolvo – apenas descanse. Dependa. Entregue-se. Como uma criancinha inocente, entregue-se, e deixe que eu cuido do resto.

Como é difícil confiar assim… Não consigo mais. Acho que cresci demais. E de tanto crescer, fiquei velha, desconfiada e tristonha, precisando do seu colo, mas com medo de parecer fraca ao solicitá-lo… Ao me deitar nele.

Mas você conhece bem os seus filhos. E sabe me dobrar. Ah, se sabe.

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