Quando eu era criança, olhando a vida da maioria das meninas e meninos que eu conhecia, sempre pensava, por que não posso ter um pai normal? Por que o meu pai, justo o meu pai, tinha que ser assim, violento, difícil, ausente, exigente… Viciado? Por que nunca um elogio, um carinho gratuito, uma aprovação, um passeio, um colinho?
Adolescente já, eu via como as outras garotas eram tratadas e pensava, por que não posso ter um pai presente? Mas eu era assim, lutadora, sempre fui. Comecei a trabalhar cedo, batalhei cada pedacinho da minha liberdade, das minhas conquistas, da minha dignidade e integridade emocional, física, financeira. Aprendi cedo que, por mim, era eu.
Não me julgue ingrata. Sei que tive uma mãe excepcional. Que tive bons amigos. E embora os homens que eu escolhi pra amar, invariavelmente, tenham me abandonado, eu sei que posso fazer o que eu quiser sozinha.
Agora adulta, tantos anos depois, eu penso que queria ter um pai, qualquer um. Eu sei, eu sei, você promete na Bíblia ser pai para os órfãos, promete que o azeite nunca falta no jarro da viúva, diz que nada falta para aqueles dos quais você é pastor.
Mas eu queria um pai material, um pai de verdade, um pai que me ajudasse, que cuidasse de mim, que eu visse e por quem fosse vista. Um pai que me esperasse de noite, quando estivesse muito perigoso, pra eu não voltar da faculdade sozinha. Um pai que tivesse me ensinado a dirigir melhor, que me ajudasse a bater os pregos e trocar as lâmpadas, um pai que me emprestasse dinheiro quando eu estivesse dura, que ajudasse a cuidar da minha mãe e dos meus irmãos, um pai que assumisse contas da casa, um pai que desse dura em namorado safado, um pai que tivesse ciúme de mim, que me achasse bonita quando eu me arrumasse toda pra uma festa, um pai que dançasse a primeira valsa na formatura, que me desse o braço pra entrar na igreja quando eu fosse casar. Um pai que me colocasse no colo, a quem eu pudesse pedir socorro, que me desse conselhos, que me levasse ao médico e não me deixasse ficar sangrando sozinha no corredor de um hospital.
Quando me batesse esse sentimento horrível de ser tão sozinha nesse mundo, se eu tivesse um pai, eu ligaria pra ele, e ele diria que me ama, que sou sua filhinha querida, e me faria sentir realmente especial.
Não se ofenda. Sei que você é meu pai, acima de qualquer outro, o melhor de todos.
Mas eu só queria que parasse de doer um pouco essa falta imensa que eu sinto, esse cansaço. Queria que satisfazer essa necessidade de ser cuidada. Só um pouco.
“Quando não tinha nada, eu quis.
Quando tudo era ausência, esperei.”